Nos anos 80, a escola era dura, mas justa. Só passava quem tinha notas para isso. A média não se torcia para agradar estatísticas, os resultados não se moldavam a relatórios bonitos para preencher prateleiras no Ministério da Educação.
Chumbava-se. E chumbava-se com naturalidade, sem dramas mediáticos, sem reuniões extraordinárias, sem planos de recuperação em cima do joelho. Quem ultrapassava o limite de faltas era convidado a fazer as malas e a regressar no ano seguinte. Simples. Não havia lugar a planos de recuperação nem a malabarismos administrativos: limite de faltas era lei, não sugestão.
Hoje, parece que passamos a viver no avesso desse tempo. O aluno falta? Não faz mal. Realiza um plano de recuperação das aprendizagens e, cumprindo meia dúzia de tarefas – muitas vezes superficiais –, vê as faltas evaporarem-se como por magia. O número máximo permitido por lei é esticado até ao limite (Despacho Normativo n.º 10-B/2018, com as suas atualizações), porque, afinal, o importante é que o aluno continue "incluído". A palavra da moda. Incluído está – mas a aprender, nem sempre.
Sempre houve alunos com dificuldades, é verdade. E esses alunos, nos anos 80, eram avaliados de acordo com as suas limitações, mas com seriedade. Hoje, a exceção virou regra. É raro encontrar um aluno sem algum tipo de medida de suporte à aprendizagem: PEI, A.C.N.S., RTP, testes adaptados com letra grande, letra pequena, versão com imagens, versão com menos perguntas, versão com mais tempo… Há testes com mais versões que um romance policial tem de suspeitos. E, mesmo assim, o insucesso permanece.
As patologias são intensas: dislexia, discalculia, disgrafia, hiperatividade, défice de atenção, crises de ansiedade...... e tantas outras.
O professor é pressionado a inovar, reinventar, refazer, multiplicar estratégias. Tem de ser quase um artista: educador, psicólogo, animador, técnico de educação especial. E quando, com todas essas ferramentas, o milagre não acontece, a culpa é do professor – claro está. Aumentam-se cargas horárias, como se mais tempo fosse sinónimo de melhor aprendizagem. É a velha lógica: se a planta não cresce, castiga-se o jardineiro.
Pior: estamos a criar uma geração que se recusa a lidar com a frustração. Alunos que não se esforçam, mas exigem. Que não estudam, mas reclamam. Que, antes mesmo de receber o teste, já avisam, com um ar quase altivo:
"Professora, não se esqueça que o meu teste é adaptado!"
Como quem diz: “Sou especial, tenho direito à diferença, mas sem esforço, se faz favor.”
Do outro lado da barricada, temos pais e encarregados de educação que aparecem no final do ano, vindos como relâmpagos do nada, sem saber o nome do diretor de turma, mas prontos para cobrar tudo e mais alguma coisa.
Que culpam a escola por insucessos que começaram muito antes dos testes e dos horários. Que apontam dedos, mas que se demitiram há muito do seu papel de educadores. A escola virou depósito, e o professor, mero operador de expetativas alheias.
Estamos a alimentar um sistema que, em vez de preparar para a vida, embala ilusões. Uma geração que acredita que tudo é devido, que tudo pode ser adaptado, que o esforço é opcional. Estamos a formar jovens que não sabem lidar com o fracasso, porque nunca lhes foi permitido falhar. Que querem tudo já – e se possível com um emoji de aprovação.
Nos anos 80, talvez o ensino fosse mais duro. Mas, em muitos aspetos, era mais honesto. Havia rigor, exigência e consequência. Hoje, temos números que brilham nos relatórios e uma realidade escondida entre estatísticas, onde o insucesso é apenas maquilhado, nunca resolvido.
Precisamos urgentemente de recuperar o equilíbrio. De ensinar que aprender dá trabalho, que crescer implica esforço, que falhar faz parte do processo. Senão, continuaremos a fabricar diplomas, recheados de nada – e a vida, essa, não se adapta a testes personalizados.
By: SPEAKER´S CORNER, Verda Duarte, FB
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