No seu 70.º aniversário, ONU lança roteiro para o
mundo perfeito
25/09/2015 - 07:07
Cimeira das Nações Unidas vai aprovar
uma agenda com 17 objetivos e 169 metas de desenvolvimento sustentável até
2030.
Um mundo sem fome nem pobreza extrema. Sem sida, sem
malária, sem tuberculose. Com educação básica gratuita para todos. Onde as
mulheres não são discriminadas nem agredidas. Onde todos têm acesso a água
potável, saneamento e energia moderna. Um mundo com mais renováveis, mais
eficiência energética. Com crescimento económico e emprego universal. Em que as
cidades e os transportes são verdes. Com mais indústrias e menos poluição. Com
os ecossistemas conservados. Em paz e livre da corrupção.
É este o mundo idílico que as Nações Unidas aspiram atingir
dentro de apenas 15 anos. Está tudo numa ambiciosa agenda para o planeta até
2030, que será adotada numa cimeira mundial que começa esta sexta-feira em Nova
Iorque e que coincide com o 70º aniversário das Nações Unidas. É uma nova e
ampla lista de intenções rumo ao desenvolvimento sustentável. Mas há muitos
obstáculos para que esta cartilha seja cumprida.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável vão substituir
os oito Objetivos do Desenvolvimento do Milénio, adotados em 2000 e que expiram
este ano, com resultados mistos. Houve inegáveis avanços. A parcela da
população mundial que vive com menos de 1,25 dólares (1,11 euros) por dia caiu
de 47% para 14%, segundo um balanço feito este ano pela ONU. Nos países em
desenvolvimento, a subnutrição diminuiu de 23% para 13%, o número de crianças
na escola primária subiu de 83% para 91%, e a população que vive em bairros de
lata reduziu-se de 39% para 30%.
Mesmo assim, hoje o mundo ainda tem 800 milhões de pessoas
em pobreza extrema, 160 milhões de crianças que passam fome, milhões de
mulheres que são discriminadas e quatro vezes mais refugiados do que há apenas
cinco anos.
Os novos objetivos da ONU não procuram apenas emendar o que
ainda não foi resolvido – como a fome e a pobreza. Vão mais além e tocam em
mais domínios da atividade humana e de uma forma mais detalhada. O resultado é um
roteiro pós-2015 com 17 objetivos e 169 metas, que vão das energias renováveis
às mortes nas estradas, do trabalho infantil à regulação da banca, dos
desastres naturais aos subsídios à pesca.
“É ambicioso, quase beirando a utopia, mas realizável”,
afirma Pedro Krupenski, presidente da Plataforma Portuguesa das Organizações
Não-Governamentais para o Desenvolvimento. “Nunca a agenda do combate à pobreza
esteve tão ligada às boas práticas de desenvolvimento sustentável. Esta é a
grande novidade”, avalia.
A nova agenda é diferente da anterior noutro aspeto: agora o
foco são todos os países, quando antes a atenção estava voltada sobretudo para
a melhoria das condições de vida nas nações mais pobres. Temas como a desigualdade
de rendimentos, a proteção dos ecossistemas ou a adaptação às alterações
climáticas aplicam-se também ao mundo industrializado. Garantir padrões
sustentáveis de produção e consumo também. “É um dos grandes desafios para os
países desenvolvidos: conseguir produzir com menos recursos”, afirma o
secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, que vai intervir, domingo, numa das
sessões da conferência das Nações Unidas.
Os novos objetivos da ONU são mais um ponto num processo com
quatro décadas, desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano,
em 1972, em Estocolmo. O conceito do desenvolvimento sustentável ganhou força
na Cimeira da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro. Mas duas avaliações realizadas
dez e vinte depois concluíram que ainda havia muito a fazer. Foi na segunda
avaliação, em 2012, também no Rio de Janeiro, que se lançou formalmente a ideia
dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para o pós-2015.
Em três anos, chegou-se a um consenso, o que contrasta com
as negociações para um novo tratado internacional para as alterações
climáticas, que se arrastam há uma década. A explicação está sobretudo no
formato daquilo que será adotado: uma declaração política, que não obriga os
países a cumprir as metas. Esta é uma das fraquezas da iniciativa, segundo
Pedro Krupenski. “Falta um elemento mais vinculativo. Deveria ser eventualmente
um tratado internacional”, explica. “A verificação vai ficar um bocado ao
critério dos mecanismos da sociedade civil”.
O ex-secretário de Estado do Ambiente Carlos Pimenta, que
tem acompanhado a questão do desenvolvimento sustentável desde Estocolmo,
aponta outro problema. “As instituições que gerem os global commons [bens
globais comuns] estão muito enfraquecidas. Nunca foi tão grande a destruição
das florestas ou a degradação dos oceanos”, afirma. “Estou pessimista ao nível
da governança global”, completa.
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