17-05-2010
O turismo em Portugal aprendeu ou não a conviver com a conservação da Natureza?
Alexandra CunhaBióloga no Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve e presidente da LPN
Num momento em que a nova proposta de ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina está em cima da mesa, o Governo tem agora nas suas mãos a decisão sobre qual vai ser o futuro do turismo nesta área protegida e de “fazer história” com a decisão de proteger ou não este património natural.
Tem nas mãos a capacidade de decidir entre repetir os erros cometidos em várias regiões do país, ou avançar para um novo paradigma do turismo e valorizar o que Portugal tem de diferente e valioso, que é a integridade dos seus recursos naturais.
O turismo em Portugal tende a vender paisagens bucólicas e sem gente, com casinhas de pedra e xistos, ou zonas húmidas para observação de aves, sítios lindos em parques naturais, mas depois, na prática quer transformar tudo num Allgarve. Temos vários exemplos, e o que me ocorre de momento é o da promoção da Herdade dos Salgados, no Algarve, que foi amplamente publicitada pela proximidade da natureza, mas que depois acabou por promover um ordenamento que não se coaduna com a protecção da lagoa e da sua envolvente. Ou o da destruição de património da linha do Tua ou o do Rio Sabor, que, com inteligência e apoio sério da parte do sector do turismo, poderiam ter um valor único no panorama turístico internacional. É importante que se interiorize que o turismo em zonas de conservação da natureza tem as suas condicionantes e que não se pode explorar o turismo numa área sensível ou protegida promovendo actividades não sustentáveis do ponto de vista dos recursos naturais, como o turismo de golfe ou a visitação em massa.
A questão do desenvolvimento turístico e da conservação da natureza em Portugal é um dos casos em que, mais uma vez, falha a integração das políticas do governo. É urgente que o Plano Estratégico Nacional do Turismo seja vertido nesta integração e vice-versa!
Susana FonsecaSocióloga, presidente da Quercus-Associação Nacional para a Conservação da Natureza
Não falharemos por muito se afirmarmos que em Portugal ainda nenhum sector aprendeu a conviver com a conservação da natureza.
A importância estratégica da conservação da natureza é algo que para uns poucos é intuitiva, para mais uns poucos é cientificamente comprovada, para um grupo significativamente maior é algo interessante, desde que não colida com nenhum dos seus interesses mais imediatos, e para um outro grupo ainda alargado, um empecilho ao desenvolvimento (ainda que muitos dos que aqui se enquadram já não se atrevam a assumir esta postura em público, são apenas traídos pelas suas decisões).
Na área do turismo podemos encontrar um espelho da realidade nacional. Há projectos muito interessantes a todos os níveis, há aqueles que já integram preocupações com a sua sustentabilidade, mas onde o parente pobre do ambiente (a conservação da natureza) sai prejudicado (normalmente decorrente da dimensão e localização dos mesmos), e há os que ainda nem perceberam a relevância da sustentabilidade ou aplicam-na apenas ao mínimo, com o objectivo de “passar com 10” e convencer os mais crentes de que até são bons alunos.
Contudo, o prejuízo para a conservação da natureza continua a ser uma regularidade em muitos dos projectos turísticos em Portugal, aumentado em tempos recentes pela falácia das medidas de compensação. De facto, à custa de localizações desastrosas de empreendimentos turísticos e de outras infra-estruturas (tantas vezes classificadas como de interesse público), tem-se permitido a destruição de ecossistemas de elevada riqueza e complexidade, com a promessa de plantação de árvores num outro local. Como se a plantação em dobro permitisse compensar a perda de ecossistemas com uma evolução de décadas ou mesmo de séculos.
Acaba por prevalecer a perspectiva engenheiral de que o Homem tudo pode mudar porque tudo controla com a sua tecnologia e engenho. Esta perspectiva já nos trouxe até ao presente. A um presente onde o planeta já não pode connosco, em todos os sentidos. Se não mudarmos esta perspectiva de que “turismo que é bom é aquele que é implantado em cima das zonas com valor natural”, o futuro poderá trazer-nos a amarga surpresa de termos destruído a galinha dos ovos de ouro.
Henrique Pereira dos SantosArquitecto paisagista, consultor e ex-vice-presidente do ICNB
O turismo sempre conviveu com a conservação da natureza, pelo menos como utilizador das mais-valias geradas pela conservação.
Conviveu também ao procurar usar os espaços de maior qualidade paisagística para a implantação de empreendimentos, porque uma boa parte desses espaços são de interesse para a conservação.
Mas a atitude base de uma grande parte dos empreendedores, mesmo quando tinham como objectivo uma grande qualidade nos seus empreendimentos, era a de que caberia ao Estado garantir a conservação do património natural.
O que é mais nova é a ideia de que o património natural é uma componente que acrescenta valor aos empreendimentos, sendo os empreendedores também responsáveis pela sua manutenção e valorização.
Neste momento, há reconhecimento da mais-valia turística trazida pela existência de uma rede de áreas naturais visitável e pouco impactada por actividades económicas novas, como o turismo de massas. Outros segmentos turísticos de nicho não cabem nesta descrição, nem levantam problemas de maior à conservação do património natural.
A ideia de que áreas protegidas mal geridas desqualificam globalmente o país enquanto destino turístico está longe de estar adquirida. Consequentemente, a ideia de que existe uma responsabilidade de financiamento da política de conservação pelo sector também parece ainda uma miragem.
Falta ainda o reconhecimento económico da rede nacional de áreas protegidas enquanto infra-estrutura base da actividade humana e, por maioria de razão, do turismo, mesmo quando não esteja na proximidade de cada empreendimento.
Mas os maiores conflitos entre o turismo e a conservação não resultam das opções dos empreendedores, mas do fraco reconhecimento pelo Estado do interesse público associado à conservação do património natural, de que resultam processos de licenciamento claramente assimétricos no momento de pesar os diferentes interesses públicos em conflito. Com desvalorização sistemática da conservação no processo de tomada de decisão pelo Estado.^
Henrique PereiraEcólogo, investigador do Centro de Biologia Ambiental (CBA) da Universidade de Lisboa
A resposta a esta pergunta é sim e não. Há cada vez mais operadores turísticos que têm como foco da sua actividade o turismo de natureza, e que por isso dependem do bom estado da biodiversidade para manter a sua actividade.
Caso disto são empresas que levam as pessoas a caminhar em zonas com lobo, à procura dos seus vestígios nas montanhas do Norte de Portugal, empresas que levam turistas a observar aves de rapina nas falésias dos nossos rios internacionais, e empresas que levam as pessoas a observar os cetáceos nas nossas ilhas. Mas são também os estabelecimentos de alojamento local e os empreendimentos turísticos em espaço rural que se inserem em espaços naturais ou semi-naturais de grande biodiversidade. Estas empresas estão hoje na linha da frente das organizações preocupadas com a conservação da biodiversidade em Portugal e estão muitas vezes associadas a acções concretas de conservação da natureza no terreno.
No entanto, continuam também a ser implementados empreendimentos turísticos que tentam obter o lucro através da escala do empreendimento e da oferta de um conjunto de amenidades associadas, como campos de golfe. Em princípio, este tipo de empreendimentos pode ser compatibilizado com a conservação da natureza, dependendo da sua localização e das medidas de gestão da biodiversidade do empreendimento, mas a tendência das últimas décadas não tem sido sempre essa.
Para mais, multiplicam-se também os empreendimentos de baixa qualidade em grande densidade e que não se preocupam com a manutenção do bom estado dos ecossistemas em que se encontram inseridos, que esteve na base do desenvolvimento desses próprios empreendimentos. Exemplo dramático de uma ocupação excessiva é a nossa costa de uma forma geral, salvando-se ainda apenas algumas partes como o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, mas mesmo essas sob pressão crescente.
Em resumo, precisamos de continuar a promover o desenvolvimento de empreendimentos de turismo de natureza, apostar numa melhor integração da gestão da biodiversidade nos empreendimentos turísticos de grande escala, e limitar fortemente a implementação de alojamentos em áreas onde os ecossistemas ainda estão num estado de naturalidade elevada.^
João SoaresEngenheiro agrónomo, assessor para a floresta e ambiente do grupo Portucel-Soporcel
É inevitável que todos os sectores da sociedade – incluindo o turismo – tenham de reconhecer (ou vir a reconhecer) os benefícios reais proporcionados pelos ecossistemas.
A avaliação e a gestão sustentável dos ecossistemas – e daí a conservação da natureza – têm de se tornar partes integrantes do planeamento económico e da decisão política e empresarial.
Tudo isto para dizer que existe um processo de aprendizagem em curso, em Portugal e um pouco por todo o lado, para fazer conviver a actividade económica e a conservação dos bens e serviços da natureza.
O turismo em Portugal não é excepção deste panorama, mas importa ter presente que não é só a parte económica que tem de se saber adaptar. Do lado da parte ambiental é igualmente necessária uma adaptação que passe por abandonar a ideia de que a “natureza actual” (a que existe hoje) tem de ser “congelada” no tempo.
Não faz sentido que no espaço e no tempo cósmico, uma data, um ano ou até uma década (que são nada, nos muitos milhões de anos da Terra) constituam um referencial imutável onde nada pode ser tocado ou alterado.
O compromisso inteligente entre a geração de valor para as pessoas e para as populações locais e a defesa de bens naturais valiosos, raros ou escassos, pode ser encontrado com recurso ao turismo, enquanto actividade económica.
Daí que seja legitimo concluir que não basta ter dinheiro para investir. Há que “filtrar” esse investimento para garantir a sua adequabilidade social.
Para muitos, esse “filtro” deve ser o Estado (e um qualquer ministério do ambiente). Para mim, o primeiro filtro deve ser a banca (de onde, afinal, vem o dinheiro), logo seguido pelo poder autárquico, na sua função de entidade licenciadora.
Sempre defendi que um ministério do ambiente faz tanta falta quanto um ministério do bom senso ou outro da justiça social.
A garantia das boas práticas ambientais, no turismo, na agricultura ou na indústria, tem de estar interiorizada – como terceiro “filtro” – nos respectivos ministérios da tutela.
Reconheço que a existência de um ministério do ambiente pode (ainda) ter um papel didáctico para a administração e para o país, mas não se pode esperar que a aprendizagem da convivência das actividades económicas em geral, e do turismo em particular, com a conservação da natureza, nasça daí (nem das queixas em Bruxelas …)
Helena FreitasBióloga do Departamento de Ciências da Vida, directora do Jardim Botânico da Univ. de Coimbra
Julgo que se pode falar de uma evolução positiva. Alguns projectos turísticos começam a incorporar o valor do património natural e da biodiversidade como estratégia de valorização ambiental e económica.
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